As proposições de Rousseau e a possível revolução silenciosa


O presente artigo tem como objetivo apresentar o pensamento de Jean-Jacques Rousseau sobre a ordem civil no Estado que toma o homem pelo que ele é, as leis como devem ser e a coerência indispensável, além de suficiente, para administrar o que é público. Seguindo a ordem de pensamentos, que vão além do descritivo, propondo práticas com a finalidade de uma revolução, Carl Rogers dá importante contribuição sobre como e onde as mudanças mais genuínas se dão. Para isso, propõe determinadas posturas para a facilitação do processo de crescimento dos indivíduos. Esta pesquisa também traz a imensa contribuição de Viktor Emil Frankl para pensarmos a questão do sentido aplicado ao ser humano, ao trabalho, a sociedade e a postura que devemos ter diante dos imbróglios. O que une e dá sentido ao discurso dos três é a busca pela liberdade, a fortíssima fé no potencial positivo do ser humano e o respeito diante do ser capaz de viver a sua vida, doar um pouco dela, abandonar-se por instantes e pensar no outro, pelo bem de todos.


PALAVRAS CHAVES: Poder do soberano, estado civil, educação, liberdade, responsabilidade


Ivan Oliveira Pielke*

*Graduando em Psicologia na PUCRS, aluno da disciplina de Filosofia Social e Política ministrada pelo Ms. Keberson Bresolin (orientador deste artigo), escritor.

Partindo de questões profundas - as que os cientistas mergulhados em sua própria ciência não alcançam – Jean-Jacques Rousseau tenta elaborar seus pensamentos procurando uma forma mais positiva ou, se crer ser mais adequado, mais coerente com um povo que deseja ser senhor de si e caminhar rumo a uma felicidade ao menos relativa.
Rousseau escreve de forma direta quanto aos cientistas, pensadores e artistas de sua época, contrariando diversos autores que certamente poderíamos identificar em suas descrições. A ciência é muito mais praticada por orgulho, reputação e pela busca por reconhecimento na academia, do que por amor ao saber. A filosofia em sua essência é a virtude. Ela é a ciência que, de tão simples, para beber de suas leis, basta tomar contato consigo mesmo e silenciar as paixões que escondem a essência de cada ser filosófico.





O seu espírito irrequieto e frustrado com as respostas rasas das ciências, e o vangloriar dos artistas, o faz pensar fortemente sobre o que estavam vivendo na sua época. Para ele, os pensadores tinham uma visão deturpada e pessimista da pessoa, do humano. O que Rousseau via sobre a visão negativa naquela época, hoje vemos também; as dimensões são diferentes, mas as formas são muito semelhantes.
O ser humano é, por natureza, bom e livre; a sociedade e a educação é que o corrompe, transformando-o em mais uma rês, um qualquer, como uma ovelha, em um rebanho. Critica Thomas Hobbes - um de seus principais influenciadores - quanto ao exercício de total soberania do Príncipe – o que seria para nós, no Brasil, como o Presidente ou um Rei, caso fosse monarquia. Neste modelo, o Príncipe soberano, tal como o pastor de ovelhas, cuida das suas ovelhas, mas somente com o intuito de devorá-las. Voltar à essência do estado de natureza, onde o homem é livre e essencialmente bom, é o que Rousseau defende. Ressalta ainda que a educação negativa é tida como a melhor, mas pior: como sendo a única. O saber nesse caso é único, o saber do indivíduo pouco importa, tampouco os meio para adquiri-lo.
Logo na primeira frase de seu livro Do Contrato Social deixa uma mensagem simples que marcaria a história:
O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo se acredita o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles.[1]
Em seu estado de natureza o homem é bom; a sociedade que o corrompe.


[1] Rousseau, J.-J. Do contrato social [trad. Ricardo Rodrigues Gama]. 1.ed Campinas: Russel, 2006. P. 11. Doravante citarei no corpo do texto com a seguinte abreviação: DCS.

Necessidade de um Estado Civil – SURGE O CONTRATO SOCIAL


O estado de natureza não é mais possível, a humanidade há muito saiu de sua estrutura natural, de seu espírito arcaico; portanto, precisamos de outra forma de proceder diante dessa sociedade. É isso que Rousseau propõe – uma nova forma, um novo exercício. Defende a soberania pelo povo, como condição primeira para sua libertação.



A regulamentação da constituição do Estado é a base da justiça e, por conseqüência, da paz. Para ele, a justiça não deve abrir exceções a ninguém, tampouco para determinados grupos. Procura resolver, além da regulamentação, a legitimidade dessa postura política e suas implicações na sociedade. Acredita que o contratante – os particulares - condicione sua liberdade para o bem da comunidade, pensando nas aspirações e anseios da maioria. O que importa, segundo seu pensamento, é que, no Estado não exista sociedade parcial, que cada cidadão manifeste somente o próprio pensamento, mas que também pense as hipóteses do outro e, principalmente, tente alcançar uma forma de pensamento próxima do bem comum.
O soberano advindo do contrato é o único a determinar o modo de funcionamento da máquina política. É o que tem controle; sua adesão é total e sem restrições. A partir disso, a liberdade civil acontece e o soberano é parte ativa e passiva, pois é o povo que desenvolve as suas próprias leis e obedece a essas leis. Esse soberano passa a ser autônomo e age por si mesmo; tendo assim um senso de responsabilidade e liberdade. Obedecer às próprias leis é um ato de liberdade. Kant acrescenta posteriormente que a elaboração das leis em um ambiente de igualdade pressupõe a obediência de todos os cidadãos, valendo-se assim toda a sociedade geral no ato de submissão às suas próprias leis (vontade de justiça) e não a favor de uma minoria em particular.
A entrega sendo total e igualitária, no primeiro momento, não é suficiente para a legitimação da sociedade como sendo justa; é preciso que permaneça ou se renove a cada instante, que a vontade dos fundadores se realize.  Quem coloca em prática as vontades do soberano é o governo, constituído pelo corpo administrativo do Estado. O corpo administrativo é composto de funcionários do soberano, sob os olhos e mãos do povo, suas ações estão subordinadas aos interesses da sociedade; portanto, não age como uma instituição autônoma, tampouco tem o poder máximo nas ações. Em diferentes formas de governo o contrato proposto por Rousseau pode ser posto em prática. Monarquia, aristocracia e democracia teriam importância e papel secundário; em qualquer forma administrativa, tanto a realeza (monarquia), no poder dos melhores (aristocracia) ou com os representantes do povo, seja com o presidente, no parlamento ou na monarquia (democrata), esses são funcionários e servidores dos interesses do soberano, os que viabilizam a realização das “ordens” do povo.
O autor do Contrato não é cego quanto à tendência da degeneração do governo nas suas atribuições enquanto funcionários. A máquina política tende, tal como o interesse egoísta do particular, a exercer seu poder em torno de si e de seus pares, ao contrário de defender e lutar pelo bem e felicidade do outro – o povo –, subjugando-o. O executivo tendo essa tendência, não difere dos representantes, onde sugere que sejam trocados com determinada freqüência para que não se apossem ou enraízem em determinadas funções.
Quanto aos particulares, é de suma importância que estes estejam engajados e preocupados com o corpo soberano como um todo. Rousseau diz que para superar os obstáculos que impedem o homem de ser bom e agir positivamente, precisam “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social” (DCS p. 23); assim o soberano obedece as leis porque se vê nelas. Todas as cláusulas do contrato poderiam ser reduzidas a uma única: a da alienação total de cada associado, com seus direitos alienados a sociedade, em favor da comunidade. Cada um se entregando por completo, todos tendo direitos iguais, a ninguém interessa onerar outrem.
Para que esse modo só é coerente quando o Estado é passivo, com a condição de que não haja tirano como chefe e de que todos, incluindo o chefe, estejam sujeitos a legislação. Quem ofende o membro, ofende e prejudica o corpo, prejudica todos os membros; pois, o corpo é parte indivisível, cada membro está incrustado e vinculado indissociavelmente do contrato (cf. DCS p. 23).
A mudança do estado natural para o estado civil apresenta palavras simples mas que, devido a sua dimensão, cronologia, e até a possibilidade de ainda não ter atingido, mostra que a transmutação é tão complexa quanto a nossa mente puder alcançar. Do estado natural ao estado civil; instinto dando lugar à justiça; impulsos físicos à justiça; homem-si-mesmo à homem de princípios, racional, social. Em diversos Estados e sociedades teremos configurações distintas quanto maior for quantidade de amostras a analisar.
A evolução do espírito lhe deu junto a necessidade de valores e responsabilidades relativamente proporcional ao seu adiantamento.
No estado de natureza a liberdade é ilimitada quanto a tudo que quiser obter e puder alcançar, ao passo que a liberdade civil é de tudo que o contratante possui através do seu trabalho. No segundo caso tenho a liberdade moral, portanto, sou senhor de mim; tenho a razão a meu favor e a responsabilidade proporcional a esse adiantamento. O que acontece na liberdade do primeiro caso é a escravidão do apetite, do impulso instintual; aquele que oferecer preenchimentos nutricionais ao corpo terá de mim quase ou a totalidade de meu trabalho e suor.
O ideal para cada cidadão é de que o seu pensamento seja preservado; associações de particulares e seus interesses, com freqüência, suprimem o pensamento do associado individual a favor do interesse de poucos da associação. Vemos muita eloqüência em discursos - geralmente o mais forte desta - procurando influir no raciocínio dos demais. Cada cidadão deve manifestar somente o próprio pensamento. Associações podem ter uma grande bandeira e uma causa ainda maior. Daí para usar de falácias e mentiras sob o manto sagrado dos direitos da associação, necessita de pouco tempo. Este é um exemplo onde o soberano se fragmenta, pois todos devem ter assegurados os seus direitos e deveres junto à associação máxima – o Estado.
Onde um associado transgride leis e comete crimes, passa a não contar mais com a força e interesse desse associado em manter a ordem e o pacto firmado entre todo corpo soberano. Esse membro passa a não ser mais membro do Estado, tal como contratante que infringiu cláusula(s) de um contrato bem amarrado. O Estado passa a ter o direito de proteger os outros contratantes dos atos e interesses particulares que, por ventura, possam prejudicar ou ofendê-los. De modo algum o Estado ou os associados tem o direito, tampouco dever, de matá-lo – configurando pena de morte – mesmo que essa espécie de transgressor não seja pessoa moral, ainda assim continua homem. “Não existe malvado que não possa servir para alguma coisa (DCS p. 43). Com intenção de exemplo para outros associados, não constitui direito; salvos casos onde não se pode conservá-lo sem que haja perigo para a sociedade. A serviço disso existe prisão ou exílio.
A legislação é o movimento da sociedade civil. Advém do pacto social, forma o corpo político e une os direitos e deveres. A legislação deve ser geral, como conseqüência da vontade do soberano; ninguém é injusto consigo mesmo, não cria leis que não possa cumprir, formando a liberdade de si mesmos e a legitimidade do Estado. O interesse público é que governa e a coisa pública algo representa. O príncipe-chefe do Estado está sob as leis, não acima, fazendo-o um comum, mas importante, parte de um todo. Os representantes são meros funcionários oficiais - não autoridades supremas.
As leis, além de conhecidas pelo povo, devem ser concebidas através dele. Assegurar a vontade, limites, direitos e deveres é que constitui o movimento do processo civil. As leis devem ser vontades fortes transformadas em registro. “Vãos prestígios apenas formam um laço passageiro; não há senão a sabedoria para torná-lo durável” (DCS p. 50).

Sobre os povos que jamais suportariam boas leis:

Os povos, assim como os homens, somente são dóceis na juventude; ao envelhecerem, tornam-se incorrigíveis; uma vez estabelecidos os costumes e enraizados os preconceitos, constitui empreendimento perigoso e unutil pretender reformá-los; o povo sequer concorda que lhe toque nos males a fim de arrancá-los, à semelhança desses estúpidos e medrosos doentes que estremecem com a presença do médico (DCS p. 52).

A divisão das leis é proposta por Rousseau para que sejam bem delineadas, sejam lógicas e sirvam verdadeiramente ao espírito do povo.
A primeira das leis é a da ação do corpo agindo sobre si mesmo – soberano-Estado. São as leis políticas, formalizando as relações entre o soberano e o governo. São as leis fundamentais. A segunda é a formalizada com o intuito de regulamentar e nortear as relações dos membros do soberano entre si. Leis estas, feitas com o intuito de fazer o particular se sentir pequeno comparado ao todo para que sinta necessidade de depender da cidade. São chamadas de leis civis. A terceira lei é da coercibilidade. É a relação do homem com a lei. A desobediência pressupõe a penalidade; são as leis criminais. A última, e quarta lei, é a do coração. Ela que mantém as leis em movimento e atualização coerente com o seu tempo, zeitgeist, substituindo-as de acordo com seus costumes e, principalmente, com a opinião do povo. Penosamente é a lei proporcionalmente inversa ao conhecimento dos políticos. É a mais importante por ter as outras dependentes desta, mas a que menos é ouvida. A direção e movimento estão nesta.
Quanto maior for a nação, maiores são as dificuldades para ouvi-los. A maioria do povo é estranha. Com tantas diferenças de regiões em um Estado grande, tem-se diversos climas, terrenos, culturas, línguas que não admitem a mesma forma de governo. O povo desde lado do país desconhece suas riquezas por estarem distantes, não se conhecem uns aos outros, os talentos de outras regiões ficam ocultos e os vícios tendem a seguir impunemente. Por ter um grande território, o chefe do Estado nomeia o número de ministros que convenha ao número de habitantes e grandeza de território. Acontece com freqüência esses ministros/comissários governarem a seu próprio favor, já que eles estão longe do seu chefe. “O Estado desaba devido ao seu próprio peso” (DCS p. 54).
Os homens fazem o Estado; o terreno alimenta esses homens. Terreno em demasia é difícil de proteger, conseguir produzir em sua totalidade; causa potencial dos excessos de riquezas; começam as guerras defensivas contra ataques de vizinhos. Se o terreno for pequeno, procurará suprir o que lhe falta nos vizinhos; guerras ofensivas.
“O que torna o êxito tão raro é a impossibilidade de encontrar a simplicidade da Natureza junto às necessidades da sociedade” (DCS p. 60).
Os maiores bens são a igualdade e liberdade. O opulento e tirano é alvo de inveja do mendigo. O pobre de riqueza alimenta a tirania que, por sua vez, compra sua liberdade. O mendigo passa a se alimentar da inveja dos bens que não pode alcançar, e junta o maior número de migalhas supérfluas dos excessos de riquezas que o terreno produziu.
Aquele que não observar a natureza de seu território e o espírito de seu povo, fazendo de sua legislação um ponto distante de seu coração, fará o povo soberano perecer e a Natureza, invencível, voltará a reinar; como haveria de ser ouvida (DCS p. 60).

A ação livre tem duas causas que juntas a produzem: uma, moral, a vontade que determina o ato; outra, física, o poder que a executa.
Sem o concurso de ambas, nada se pode fazer de legítimo e real; de ilegítimo, na sociedade, temos a loucura proveniente de impulsos e desejos que ser ordenamento da força da razão e da que executa. O executivo não é senão, as leis sendo executadas. De modo algum este poder pode agir deliberadamente e arbitrariamente sem o olhar da lei; toma-se isto por um ato particular que, por si, é contra a lei advinda do soberano.
Necessita, pois, a força pública de um agente próprio que a reúna e a ponha em funcionamento segundo os rumos da vontade geral, que sirva à comunicação do Estado e do soberano, e faça de alguma forma na pessoa pública o que a união da alma e do corpo faz no homem (DCS p.65).

Alma é o soberano e suas vontades; o que põe em prática as vontades da alma é o Corpo político.
Que é governo? “Um corpo intermediário, estabelecido entre os vassalos e o soberano, para possibilitar a recíproca correspondência , encarregado da liberdade, tanto civil, como política” (cf. DCS p.66). Soberano > governo > vassalos > governo > soberano. Os membros do governo não passam de empregados, simples oficiais que servem aos interesses dos contratantes. Seu trabalho é um emprego, sendo apenas depositários; não donos. O povo tem o direito de destituir do cargo o servidor que não lhe serve tal como está no contrato. O dono do negócio não mantém um gerente que lhe roube ou negligencie.
A anarquia surge quando há dificuldades na comunicação - ou a ausência dela – entre o soberano e o governo; há desunião de vontades do soberano (leis) e o corpo político (governo). Não havendo mais Estado legítimo, a máquina pública torna-se alvo do despotismo, acabando com a liberdade, igualdade e ordem. Quanto maiores são as atribuições, maiores são as tentações de tomar o que é público ao desejo do particular. Duas forças: o governo necessita conter o povo cheio de particulares despreocupados com a vontade geral e o soberano, de força proporcional, conter o governo que tenta apossar do que é seu.
O Estado só existe devido ao seu povo. Se o governo esquece o povo, não existe Estado. Mas é de interesse do governo que o povo continue com força – pequena, é verdade - para continuar trabalhando no enchimento do papo das aves políticas. Governo deve ser a concentração de todas as forças em torno de si; quando esse tomas essas forças como sendo suas, e não do povo, torna-se independente, o todo se afrouxa; parte daí que muito possivelmente o governo tome a coisa pública como sendo sua; fazendo a soberania do governo, não do povo. (cf. DCS p.68).


O POVO-ESCRAVO

Rousseau aponta os fracos escravizados pelos ambiciosos. “Os escravos perdem tudo com suas algemas, inclusive o desejo de se livrarem delas”. Para Aristóteles, os homens não são iguais; uns nascem para ser escravos, outros para ser senhores. A crítica é de que Aristóteles toma o efeito pela causa. O escravo vai contra sua própria natureza que é ser livre. A força os tornou escravos, mas a covardia perpetuou-os.
O povo, tal como o escravo, entrega sua liberdade à força ou por uma alienação, em troca de algo. Alienação é dar ou vender. O escravo não se vende como um objeto ou como fantoche inanimado, mas se vende em troca da subsistência. O escravo que nessa condição trabalha, entrega o seu suor e toda uma vida em troca de comida, roupas, algum conforto e relativa tranqüilidade; não exerce a sua liberdade. Nesse estado, deixa de ser humano, por contrariar sua própria natureza que é livre. Existe ainda a escravidão através da força; a que submete o escravo através da arma, dos seus senhores e seus capatazes, e da obrigação de servir como um animal; um ser humano que tem sua liberdade privada e seus direitos básicos arrancados, se aproxima de um estado animalesco, mais ainda se nessa situação pretende ficar e fazer das algemas parte de seu corpo.
Que dever e obrigação é essa que só existe à força? Que obediência existe pelo temor? Existe legitimidade?
A força, seja ela por exércitos (armas), por temores ou gratificações artificiais (publicidade), é de igual ilegitimidade. O que me faz entregar meus pertences a um bandido é o poder (arma) devido à força do progétil que poderá atravessar meu crânio. Caso contrário, em sã consciência, não entrego meus pertences, tampouco minha vida a quem não tem o poder. O povo que vende sua liberdade em troca de subsistência, louco está; loucura não faz o direito, tampouco concebe a justiça.
A força faz o direito de Ter-Poder. Subtraindo a força, não tenho o direito de poder. Qual a legitimidade do direito através da força? A família é o primeiro modelo de sociedade. Segundo Rousseau, o pai é o primeiro chefe, o que provém a subsistência, faz o ninho (ambiente) até o ser chegar a idade da razão, quando ele já pode, por si, ter a sua vida. Esse é o processo natural, desde o início da espécie humana, guardadas as proporções. No Estado existe uma distinção muito bem marcada: o amor dado pelo pai-chefe é substituído pelo gozo do poder advindo da inexistência de amor do chefe do Estado para com seu povo. Esse prazer torna-se superior aos reais cuidados pelo povo. Manter seus povos em aparente ordem, tranqüilidade e fajuto progresso - visto que ele não oferece o ambiente para o desenvolvimento do Ser -, mas mantém o rebanho trabalhando para servi-lo, constituindo a ilegitimidade subumana. O povo satisfeito com suas necessidades mínimas do corpo – comida, relativa segurança contra sua integridade física e de seus bens – não é indicativo plausível e lógico de liberdade do espírito; pelo contrário: é pelo estômago razoavelmente cheio, dando energia para o corpo trabalhar, que o senhor se serve de seu escravo. É dessa forma que o governo despotista age, porque, segundo Fraçois Rabelais, “Um rei não vive de pouco”.


A REVOLUÇÃO SILENCIOSA – AS ALGEMAS PRENDEM O CORPO, NÃO A ALMA

Eis aqui uma questão de fundamentos que trabalharei a seguir. Falarei de meios do povo se apoderar de si, dos seus direitos, do discernimento quanto às ações e deveres do governo. Creio que seria um crime, contra mim mesmo, deixar de fora duas personalidades que tanto contribuíram para a minha forma de ser, além de nortear minha vida profissional e das relações que mantenho com os outros, com o mundo e com a minha espiritualidade.
Começo contando quem é Carl Ransom Rogers. Este psicólogo e filósofo humanista toma a corrente da filosofia fenomenológica e existencialista como seu norte. Diante do materialismo dos estudos behavioristas, da psicanálise freudiana lançando um olhar insuficiente e reduzindo o Humano a mera “coisa”, Rogers tem seu espírito estremecido. A sociedade tecnológica americana e a conseqüente desumanização da dignidade humana fora fator preponderante para que ele criasse uma nova postura diante do ser humano: criou a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). A pessoa passou a ser o centro da atenção, da consideração e do respeito na relação facilitador – cliente; veja que aqui a palavra paciente é substituída por cliente e terapeuta por facilitador. De acordo com a sua política de relacionamento com os seus pacientes, viu-se um equívoco tratar a pessoa como tal. O modelo anterior onde o terapeuta é o principal agente, pressupondo que ele conhece o melhor caminho – talvez único - para o paciente, que o outro não tem condições de pensar e reagir às demandas da vida através de si, abandonando ou não querendo acreditar que a Natureza Humana tende a evolução, integração de si (encontro consigo mesmo), com o outro e com a sociedade.
Para humanistas como Carl Rogers, interessa tudo que diz respeito ao homem, com a finalidade de promover uma sociedade melhor para as gerações futuras. A psicologia mecanicista o homem é considerado objeto cujas ações e impulsos são controlados por forças exteriores a ele. Esse modelo não satisfaz a psicologia humanista, já que esta pressupõe uma complexidade muito mais abrangente da experiência do homem.
A relação ideal para Rogers é a da horizontalidade. Questiona as relações onde o poder e o narcisismo do indivíduo é o que move as ações entre as pessoas, instituições e sociedade. Seus estudos e proposições saíram dos gabinetes pequenos da clínica e se expandiram até as administrações de instituições privadas, públicas, sejam como empresas, escolas ou outro gênero. Influenciou a educação, a pedagogia, a psicopedagogia, orientação educacional indo até a literatura, cinema e as artes. Foi indicado ao prêmio Nobel da Paz em 18 de janeiro de 1987 devido a toda sua obra e aos trabalhos realizados na mediação de conflitos entre nações no oriente médio e nas relações diplomáticas entre Estados Unidos, Israel e a Palestina.
A ação do ser humano positivo é baseada na crença básica da dignidade e capacidade das pessoas para se desenvolverem plenamente, valorizando a vivência processual como possibilidade de crescimento tanto do particular, quanto da sociedade. Para Carl, a natureza humana é boa, digna de respeito e merecedora de cuidados; não de opressão do poder. O pessoa preocupada com o crescimento do outro, estando no papel de terapeuta, educador, pai, político ou qualquer papel que exerça, é o de facilitar; não direcionar. Esse pensamento talvez seja o ponto mais profundo entre o pensamento de Rousseau e Rogers. O chefe do Estado ou o educador deve ser o facilitador dos processos e das vontades do povo e do educando, respectivamente. É papel desses dois propiciar os meios para que o beneficiado obtenha os fins. Para isso, a ACP faz uma proposição básica: a crença na Tendência Atualizante, ou seja, a capacidade organísmica do ser como processo de realização de si, algo que pertence as pessoas e torna a vida um processo.
Para esse processo acontecer é preciso que haja um ambiente onde o organismo humano possa se desenvolver positivamente; Rogers propõe três atitudes facilitadoras desse processo; atitudes que além de necessárias, são suficientes. São elas: Congruência, aceitação positiva incondicional e empatia. Congruência é a capacidade e atitude da pessoa ser coerente com quem ela é, com o papel que desempenha, conseguindo ouvir o próprio organismo; ter aceitação positiva incondicional é receber e aceitar a pessoa como ela é e expressar uma consideração positiva por ela, por simplesmente ela existir, não sendo necessário que ela faça isto, aquilo, portanto, aceitando-a incondicionalmente; e empatia que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, tentar ver o mundo pelo olhos dele e procurar sentir o que ele sente, num processo de “como se...” eu fosse o outro ao menos por instantes é a capacidade de abandonar o próprio umbigo e se aproximar do outro. Talvez sejam essas as incapacidades do ser humano e, mais precisamente, dos nossos políticos.
Tenho grande apreço e respeito por outro grande pensador chamado Viktor Emil Frankl, criador da logoterapia mas que buscou e iluminou não somente as profundezas do Ser Humano; mas também os horizontes. A logoterapia, como o nome diz, é a terapia do sentido da vida. Por assim dizer, não diz muito além de nada, nesse primeiro momento. Frankl, médico e psiquiatra austríaco, foi ligado intensamente com o pensamento psicanalítico e ortodoxo de Sigmund Freud - criador da primeira escola vienense de psicologia, onde a vontade de prazer é tida como a força motriz -, com quem se correspondia por cartas. Como estudante de medicina, encontra-se pessoalmente com Freud e se aproxima do círculo intelectual liderado por Alfred Adler – criador da psicologia individual, que tem a vontade de poder e notoriedade como foco de estudos.

Certo ocasião Frankl tem a visita de um médico americano em sua clínica em Viena perguntando:
“Então, doutor, o senhor é psicanalista?” ao que respondi: “Não bem psicanalista. Digamos um psicoterapeuta”. Continuou ele: “Qual é a escola que o senhor representa?”. Repondi: “É a minha própria teoria. Chama-se logoterapia”. “Poderia o senhor dizer-me, numa única sentença, o que quer dizer logoterapia, ao menos qual é a diferença entre psicanálise e logoterapia?”. “Sim”, repliquei, “mas, em primeiro lugar, pode o senhor dizer-me com uma só sentença o que pensa ser a essência da psicanálise?”. Eis sua resposta: “Durante a psicanálise, o paciente precisa deitar-se num sofá e contar alguma coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de se contar”. Ao que retruquei imediatamente com o seguinte improvido: “Bem, na logoterapia o paciente pode ficar sentado normalmente, mas precisa ouvir certas coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de se ouvir” ²




² FRANKL, V. E. Em busca de sentido – Um psicólogo no campo de concentração [trad. Walter O. Schlupp, Carlos C. Aveline]. 25.ed São Leopoldo/RS: Sinodal, 2008. P. 128. Doravante citarei no corpo do texto com o seguinte título: Em busca de sentido


Frankl cita que para alguns autores sustentam que sentidos e valores não passam de mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações. Mas, pelo que toca esse psicólogo humanista: “Eu não estaria disposto a viver em função dos meus ‘mecanismos de defesa’. Tampouco estaria pronto a morrer simplesmente por minha ‘formações reativas’. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por ser ideais e valores!” (Em busca de sentido p.125). Frankl, por ser de origem do povo judeu, passou quatro intensos anos nos campos de concentração nazista de Auschwitz e Dachau vivendo na pele o que sempre havia estudado e desenvolvido em sua vida – a existência de uma vontade de sentido, fundada como sendo a terceira escola vienense de psicologia.
Algumas dos motivos pelos quais instigaram Frankl a pensar a questão do sentido constatar que o chamado vazio existencial é talvez o fenômeno mais difundido entre o ser humano no século XX. Ele atribui a uma dupla perda sofrida pelo ser humano desde que tornou-se verdadeiramente humano.
Lembra ele que, no início da história, o humano foi perdendo alguns instintos básicos que regulavam o comportamento do animal e asseguravam sua existência. Essa realidade foi encerrada a partir do momento em que o homem começou a desenvolver sua razão. Aponta ainda outro fenômeno crescente na sociedade: As tradições, culturas e costumes não mais dão segurança para o desenvolvimento do indivíduo e do social. Nenhum instinto ou costume lhe diz o que deve fazer, em muitas vezes, nem sabe o que deseja fazer. Ao invés da vontade do seu organismo, recorre ao conformismo – o que os outros fazem – ou ao totalitarismo – o que querem que ele faça. Como aproximamos esses pensamentos do que Rousseau nos mostrou acima?
Falamos de sociedade aqui, recém falamos do vácuo existente dentro do ser humano entediado com o fato de, na maioria das vezes, não conseguir dar respostas positivas frente às dificuldades que a sociedade enfrenta. Basta vermos a perpetuação dos personagens políticos tomando conta de tribunas, como se fossem senhores de uma monarquia quase hereditária. O voto do povo indicando esses particulares - nada preocupados com o sentido real do seu trabalho (servir) - é um imenso sinal de que estamos em um vazio esperando o nada (conformismo niilista). Sabemos bem que o nada é nada e, do nada, nada surge; tampouco algo diferente do atual. Como mudar essa situação se nosso povo é escravo de si mesmo? Prefere a prostituição do estômago a um governo que pense realmente nele.
Frankl diz que uma das formas de encontrar sentido para sua vida é encontrando-o no trabalho ou numa tarefa. A vontade de sentido frustrada pode dar lugar à vontade de prazer ou poder. Deturpada ou negligenciada essa necessidade, passamos a recorrer ao que podemos, a partir dos pressupostos filosóficos e históricos, ao estado de natureza, onde ainda não temos valores, senso ético, tampouco a dimensão mais profunda da essência humana: a auto-transcendência – capacidade de encontrar sentido além do próprio ser.  Pensemos se trabalho desenvolvido por nossos representantes, que fazem parte do corpo político, está coerente com o sentido da atribuição que lhe foi confiada. Os políticos, como Rousseau falou em meados de 1700 – há trezentos anos atrás -, trabalham muito mais com a finalidade de se servirem do povo que servirem ao povo. Por si, não exercem sentido, tampouco a vontade de sentido inerente a uma sociedade. Vemos diariamente casos de corrupção no governo, desvios de verbas de saúde, infra-estrutura, transportes e educação (dentre outras). Pois nos detenhamos a essa última área: Educação. Não é de interesse do governante déspota e tirano que se dê liberdade ao povo. Essa liberdade é atingida através do pensamento livre e não influenciado deliberadamente pelo governo quer sendo representado no professor ou nas políticas de ensino que o nosso ministério da educação propõe. O ensino é uniforme, o pensamento analítico não é estimulado, tampouco o pensamento crítico. Criticar é analisar com critérios. A criança não critica, analisa, menos ainda com critérios. Existe uma massificação e uniformização da forma de aprender, mas que transborda esse limite: massifica e uniformiza o pensamento humano através da educação baseada no poder.
O novo chefe é o professor. A família por estar fragilizada e com valores deflagrados, faz com que o pequeno ser recorra ao professor que, por sua vez, baseia a sua relação de professor como de detentor do conhecimento, mais: detentor das formas de adquirir esse ou aqueles conhecimentos.


Para Carl Rogers, “A questão é saber se podemos permitir que o conhecimento se organize no e pelo indivíduo, em vez de ser organizado para o indivíduo”.
Quando conseguimos libertar o indivíduo da sua atitude de defesa, de modo a que ele se abra ao vasto campo das suas próprias necessidades bem como ao campo igualmente vasto das exigências do meio e da sociedade, podemos confiar que suas reações serão positivas, progressivas e construtivas ³

Nada mais filosófico que instigar o pensamento humano desde a tenra idade, estimulando o pensamento a ter sempre uma força jovem e fluida, para que, ao contrário do que Rousseau falou, não sejamos acometidos pelas chagas da ignorância, do preconceito e dos enraizamentos rígidos que acometem as pessoas e sociedade. Rogers cita uma pergunta feita a ele em uma entrevista onde a pessoa se sentindo autorizada a ser quem realmente é diz: “Você quer dizer que se eu realmente fosse como eu sinto que sou, tudo estaria certo?”. Poderia o governante facilitar a apropriação do ser-soberano, confiando no seu potencial de auto-regulação?
Para a real facilitação, o educador - tal como o político - deve ser autentico e consciente do sentido do seu trabalho. Deve aceitar que os educandos tenham pensamentos diferentes uns dos outros, do próprio professor e que usem dos meios que mais lhe convierem. Tanto Rogers, como Frankl, apontam a liberdade como sendo indissociável da responsabilidade diante de si, do outro e da sua vida. Frankl certa ocasião sugeriu que “para fazer par com a Estátua da Liberdade, na costa Leste Americana, deveria haver uma Estátua da Responsabilidade na costa oeste”, pois a liberdade sem a responsabilidade não existe; liberdade sem o senso moral, da razão e do respeito pelo corpo social é a redução da ação ao arcaico estado natural onde tudo podia, inclusive a utilização de meios que prejudicassem outros.






³ ROGERS. C. R. Tornar-se pessoa [trad. Manuel José do Carmo Ferreira, Alvamar Lamparelli]. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001


Viktor Frankl sobre o homem e sua confiança no autoconceito do ser humano:
Somente uma análise fenomenológica metodicamente correta da forma como a pessoa simples, o homem da rua, se entende a si mesmo nos ensinaria que ser pessoa humana significa estar constantemente confrontado com situações, cada uma das quais é ao mesmo tempo dádiva e incumbência. O que ela nos incumbe é cumprir seu sentido [...] Cada situação é um chamado ao qual devemos ouvir e dar ouvidos 4

A mudança da ação do homem e a postura positiva frente à sociedade, tendo eu forte crença nesta possibilidade de mudança de rumos, é que deve-se adotar novas políticas de educação no Brasil e no mundo. Divido deste pensamento registrado em Liberdade para aprender, de Carl Rogers: “Reajo negativamente ao ensino. Por que? Porque, penso eu, ensinar suscita questões, todas elas falsas. Assim que focalizamos o ensino, surge a questão: ensinar o quê? Que é que, do nosso ponto de vista superior, uma outra pessoa precisa saber? [...] Ensinar e transmitir conhecimento tem sentido num meio imutável. Eis por que essa tem sido uma função inquestionada durante séculos. Mas, se há uma verdade a respeito do homem moderno, é que ele vive num meio continuamente em mudança [...] Enfrentamos, a meu ver, situação inteiramente nova em matéria de educação, cujo objetivo, se quisermos sobreviver, é o de facilitar a mudança e a aprendizagem. O único homem que se educa é aquele que aprendeu como aprender; que aprendeu como se adaptar e mudar; que se capacitou de que nenhum conhecimento é seguro, que somente o processo de buscar conhecimento oferece uma base de segurança. Mutabilidade, dependência de um processo, antes que de um conhecimento estático, eis a única coisa que tem certo sentido como objetivo da educação, no mundo moderno.
No colégio, creio que deva ser estimulado, mais que ensinado. Ensinar pressupõe insignare, ou seja: dar significado, sentido a algo. Quem é o professor para dar significado? Considerando que, geralmente, é dado somente um único significado e uma única forma de pensar. Oferecemos os meios, até a forma de se utilizar deles.

4 FRANKL. V. E. A presença ignorada de Deus [trad. Esly R. S. C. Hoersting, Zilda Costa de Souza, Walter O. Schlupp]. 1 ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985

Meios de adquirir informação, temos muitos. Televisão, jornal, revista é talvez o meio mais “erótico” de chegar à informação. Ainda temos livros, milhares de pensamentos registrados neles, custando menos de um sanduíche da franquia mais conhecida que conhecermos. O ato da pesquisa e a insatisfação pelo raso, óbvio e conhecido, deve ser estimulado na escola, para que não mais caiamos na publicidade de campanhas políticas super-carregadas de falácias e mentiras, na maneira ortodoxa das técnicas em detrimento ao valores, e em tudo aquilo que se afaste da essência real da alma. “Nunca se corrompe o povo, mas só enganando-o com freqüência, e é somente então que ele parece desejar o mal”, Rousseau.
Governo tido como do povo dá “esmolas família” e pede troco. Esmola, na minha concepção, é dar o meu supérfluo; o que não me fará falta. A verdadeira caridade e a preocupação com o outro não é dar o supérfluo, mas entregar o que de mais valoroso tiver em si; ou seja: a própria alma, ao menos por alguns instantes em benefício daquele que estiver defronte a minha vista. Se arremesso um níquel ao mendigo, esse ainda não terá sua fome saciada. Imaginemos se pedíssemos o troco dessa esmola. É o que acontece em nosso país. Cerca de quarenta por cento do que gastamos volta aos “cofres públicos”. Se o escravo recebe do governo um auxílio (esmola), e este deve devolver ao governo quarenta por cento dessa quantia*, como estamos tratando esse povo? Além de angariar votos – poder - para continuar no poder, através da subsistência mínima, não tem o seu imposto investido responsavelmente a favor do interesse e necessidade do soberano. Precisaria dar auxílios (subsistência através do dinheiro) se o contrato fosse cumprido, levando em conta a igualdade de oportunidades e direitos aos meios (instrução, qualificação e conhecimento) propostos nas leis, precisaríamos jogar níqueis aos famintos de respeito?
Ainda temos outra conseqüência do desrespeito e incapacidade de identificarmos um Estado legítimo no Brasil: A corrupção e a impunidade. A forma mais próxima que vemos para combater a impunidade é a manifestação dos meios de comunicação – a mídia. Essa mídia muitas vezes expressa de forma deturpada, tendenciosa e carregada de paixões individuais, transformando a única arma (aparente) do povo em joguete da leviandade. Na verdade, não há o que condenar na imprensa, desde que não fosse o único meio de fazer-se ouvir a opinião pública. A distância entre o soberano e o governo é quase inalcançável.
Diante do exposto, da minha quase incansável vontade de expor algo que seja de utilidade, concluo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Creio que a angústia do povo ainda exista e que essa angústia pode movê-lo a novas alternativas e experiências. Como revoluções são raríssimas, creio que a revolução que começa por dentro, essencialmente do coração, é a que pode fazer do real soberano o seu único ponto de referência para suas ações políticas. Que tenhamos as ações delineadas pelo rico engrandecimento da consciência advindas do instigante processo que é encontrar o nosso sentido particular e da sociedade civil.
Que a cada dia Deus ilumine nossas mentes e corações, não deixando-nos a mercê de nossos vícios que, por hora, parecem eternos e sem solução. Desejo que Jean-Jacques Rousseau, Carl Ransom Rogers e Viktor Emil Frankl ainda tenham muitas almas a tocar.
Espero ter sido útil, verdadeiro nas palavras, que de algo sirva meus pensamentos nesse trabalho registrados. Se existe um sentido, e se tenho algum sentido para viver, este é o de servir e doar minha vida a quem quer que lance o menor feixe de luz a minha direção.

“Só conheço dois estilos de se fazer política, ou dois tipos de políticos: O primeiro acha que o fim justifica os meios. O segundo tem plena consciência de que existem meios capazes de dessacralizar até o mais nobre dos fins”
Viktor E. Frankl

“Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”
Carl R. Rogers

“As boas ações elevam o espírito e predispõem-no a praticar outras”
Jean-J. Rousseau

“Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como
Friedrich W. Nietzsche



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social [trad. Ricardo Rodrigues Gama]. 1.ed Campinas: Russel, 2006
FRANKL, V. E. Em busca de sentido – Um psicólogo no campo de concentração [trad. Walter O. Schlupp, Carlos C. Aveline]. 25 ed. São Leopoldo/RS: Sinodal, 2008
FRANKL. V. E. A presença ignorada de Deus [trad. Esly R. S. C. Hoersting, Zilda Costa de Souza, Walter O. Schlupp]. 1 ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985
ROGERS, C. R. Liberdade para aprender [trad. Edgar Godói da Matta Machado, Márcio Paulo de Andrade]. 4 ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1978
ROGERS. C. R. Tornar-se pessoa [trad. Manuel José do Carmo Ferreira, Alvamar Lamparelli]. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001
MORATO, H. T. P; MOSQUEIRA, S. M. Abordagem centrada na pessoa: Rogers. Mente e Cérebro, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 67-102, agosto. 2010

Um comentário:

nythamar disse...

OK Ivan! Achei o teu texto muito bom, provocador e instigante! Creio que a leitura de Rousseau está bem articulada com a tua concepção de psicologia social, embasada na psicanálise e em Rogers e Frankl. Foi um pouco isso que tentaram fazer Marcuse, Fromm e expoentes da Teoria Crítica, mais conhecida como "Escola de Frankfurt", num viés hegeliano-marxista.