27 julho, 2010

Por uma educação mais humana e positiva

Não sei o quanto é polêmico o assunto sobre a proibição das palmadas, se é que é motivo de polêmica, mas tentarei delinear os meus pensamentos e visões de maneira mais profunda.

A proibição através de uma lei, como a criação de qualquer nova lei, é somente conseqüência de uma nova forma de pensar que antes talvez não se cogitasse aderir. A proibição é a forma mais drástica de tentar alertar ou educar alguém. Se ela existe é porque os limites foram ultrapassados e muitos sofreram devido à quebra dos limites que, por sua vez, feriram e prejudicaram o direito de integridade de outro. Se prender somente a conseqüência é elevar a ignorância e, caso divulgue, passa a ser ato de crueldade. Dizer ao teu filho que não deve colocar o dedo na tomada sem explicar o porquê (causa do alerta) é tentar aprisioná-lo na própria presunção de que o que eu penso é melhor pra ele e ponto final. Se é que isso acontece, pois existem os casos de sadismo puro em querer proibir tudo. Aí é que está o detalhe sutil: há diferença entre mostrar e propor explicando que se tocar a tomada ele poderá ter a conseqüência de levar um choque, e proibir sem dar explicação alguma. Sinto isso como uma agressão, pior que a de levar o choque literal, pois a vida mais tarde mostrará de maneira punitiva ao que não pensou na causa.

Punir não é nem de longe a única maneira de exercer um papel de educador, mas isso parte da visão de ser humano que este tem. O que confia no ser humano como merecedor de confiança e vê que ele, por si, é capaz de compreender* e ser responsável é aquele que trata o outro de forma mais humana em seu sentido mais profundo. O maior respeito que se pode ter por alguém é confiando que ele é capaz de aprender e ser responsável pelas suas ações. E saiba: qualquer relação baseada nessa premissa tem um reflexo muito positivo para todas as pessoas. Sugiro que se aprofundem acerca dos preceitos da Lei de Causa e Efeito, pois ela nos mostra o quanto nossas atitudes interferem em nós mesmos e na vida de outras pessoas. Se trato alguém de forma mais aberta, confiante no potencial de compreensão do outro, também sendo coerente com os meus valores e levando em consideração os valores do outro, tendemos a colher o reflexo positivo nos olhos, no coração e no comportamento do outro. Se dermos uma palmada hoje, é porque não confiamos no único ser terrestre detentor do poder da fala, da razão e da consciência de si e do mundo. Negar esse poder no outro ser humano é negar esse poder em si porque, logicamente, sou um ser humano.

Gostei de uma frase ouvida cujas palavras fazem analogias perfeitas com meus pensamentos: “o cavalo dá patada porque não sabe falar”. Creio que o pai ou educador que tenta educar a criança através do físico é o que mais necessita de educação tanto no comportamento quanto na forma de ver e respeitar uma pessoa, que no caso, é frágil e indefesa contra danos físicos. Adaptei uma frase bíblica para delinear o que penso: “dê ao corpo o que é do corpo, e dê a alma o que pertence a alma”. Através da dor corpórea não mostramos moralmente à mente (alma) que algo está errado. Ao contrário! deturpamos através de um ato, já contraditório, o que não devemos fazer para que sejamos compreendidos, caso seja essa a intenção ao bater. Muitos casos têm sua causa no egoísmo e na falta de capacidade em respeitar que a criança, ou até mesmo um adulto, tem uma idéia que pode ser diferente. A criança pode criar seu próprio mundo construindo a sua forma de lidar com a vida tal como um adulto, da sua forma, no seu tempo e com a sua capacidade.

Há diversas escolas, dentre elas a Escola da Ponte localizada na cidade do Porto, em Portugal, e a Summerhill School, na Inglaterra, que primam pela liberdade e responsabilidade total do aluno sobre como ele quer e os meios que ele acha mais apropriado ou que se identifique mais para aprender. Ensinar nessa “metodologia” centrada no aluno é diferente do infinitivo latino insignare que emite a idéia de dar significado ao que o outro presencia. A forma se diferencia pelo fato da própria pessoa assinar a sua impressão do que estuda. Ela dá o seu significado que mais se aproxima do que ela pensa sobre determinado assunto. Dessa forma ela se torna mais confiante e criativa diante das diversas vivências, vive de forma mais profunda os conteúdos aproximando da sua vida assuntos que vão da física linear aos processos de metabolização das mitocôndrias aplicando, por exemplo, o processamento de energia que ela gasta em determinados assuntos e atividades. A pessoa melhor se apropria se aquilo que é visto é próximo do seu mundo.

As crianças e todos os seres humanos são dignos de confiança. Não precisamos utilizar de meios pré-históricos para nos fazer entender. Não é pelo medo de apanhar de hoje que o adulto de amanhã se tornará responsável por se preocupar com as conseqüências para a própria vida e a do outro. A cultura e a pseudo-educação do medo devem ser deixadas para trás para dar lugar à forma mais positiva de educar e transmitir valores morais; comecemos sendo agentes tendo atitudes coerentes com pessoa de boa moral e amemos os que devem ser amados tal como gostaríamos que fôssemos.


*Compreender, num sentido mais profundo, vai além do “entender” onde podemos ouvir ou presenciar o conteúdo contido na fala. A compreensão vai de encontro essencial com o outro, numa tentativa de que, em algum nível, eu também viva, pelo menos em alguns instantes, o que o outro quer expressar e o que a outra pessoa vive.

Um comentário:

Diógenes Pereira de Araújo disse...

Já existiam preceitos penais proibindo o exagero na correção de filhos, visando corrigir abusos que são muitos e frequentes.

Há um problema em fazer lei para isto, fazer lei para aquilo. Provoca o chamado fenômeno do esvaziamento jurídico.

Existe um outro problema: não educar os filhos, às vezes para torná-lo cúmplice.

Consta que "Dionísio, o tirano, tendo em seu poder o filho de Dion, seu inimigo, idealizou uma vingança bem singular e tanto mais cruel quanto mais suave parecia. Ao invés de mandar matar o menino ou colocá-lo numa cadeia, preferiu inutilizar-lhe as qualidades da alma, e, para tanto, deixou-o sem educação, entregue a seu bel-prazer e com ordem para que jamais fosse contrariado. Dominado pelas paixões deu-se o jovem a todos os vícios. Quando notou o tirano que havia realizado seu diabólico desejo, devolveu-o ao pai que o entregou aos mestres mais célebres e preceptores mais sábios e virtuosos, para transformá-lo. Tudo em vão. O jovem príncipe lançou-se do alto da casa paterna e terminou tragicamente a vida."

Já li em algum lugar também que a palmada é recebida como demonstração de amor pelas crianças.
Raro alguém ter guardado mágoa por ter apanhado, a não ser excessivamente, claro.