18 maio, 2011

Aprender através da experiência, não dos discursos


Não gosto das explicações em forma de discurso. Os jovens prestam pouca atenção nelas e não as retêm. As coisas! As coisas! Nunca terei repetido suficientemente que damos poder demais às palavras. Com nossa educação tagarela, só criamos tagarelas.

Suponhamos que, enquanto estudo com meu aluno o curso do sol e a maneira de se orientar, de repente ele me interrompe para me perguntar para que serve tudo aquilo. Que belo discurso irei fazer-lhe! De quantas coisas aproveitarei a oportunidade para instruí-lo em resposta à sua pergunta, sobretudo se tivermos testemunhas para a nossa conversa*. Falar-lhe-ei sobre a utilidade das viagens, sobre as vantagens do comércio, sobre os produtos particulares a cada clima, sobre os costumes dos diferentes povos, sobre o emprego do calendário, sobre o cálculo do retorno das estações para a agricultura, sobre a arte da navegação, sobre a maneira de se guiar no mar seguindo exatamente a rota, quando não se sabe onde se está. A política, a história natural, a astronomia, a própria moral e direito das gentes entrarão em minha explicação, dando ao meu aluno uma grande idéia de todas essas ciências e um intenso desejo de aprendê-las. Quando tiver dito tudo, terei feito uma exibição do verdadeiro pedante, da qual não terá compreendido uma única idéia. Ele teria como antes vontade de me perguntar para que serve orientar-se, mas não ousa, temendo aborrecer-me. Prefere fingir que entendeu o que o forçaram a escutar. Assim se fazem as belas educações.

Mas o nosso Emílio, educado de uma maneira mais rústica, e ao qual demos com tanto trabalho uma concepção dura, não escutará nada disso. Quando ouvir a primeira palavra que não entender, irá embora, brincar no quarto, deixando-me a arengar sozinho. Busquemos uma solução mais grosseira; meu aparato científico não vale nada para ele.

Observávamos a posição da floresta ao norte de Montmorency quando ele me interrompeu com sua importuna pergunta: Para que serve isso? Tensa razão, disse-lhe eu, precisamos pensar bastante nisso; e, se acharmos que este trabalho não serve para nada, não voltaremos a ele, pois não nos faltam diversões úteis. Ocupamo-nos co outra coisa e não se fala mais de geografia pelo resto do dia.

No dia seguinte de manhã, proponho-lhe um passeio antes do almoço; ele não queria outra coisa; para correr, as crianças estão sempre prontas, e esta tem boas pernas. Subimos à floresta, percorremos os Champeux e nos perdemos, já não sabemos onde estamos; quando chega a hora de voltarmos, não conseguimos reencontrar o caminho. O tempo vai passando, vem o calor, estamos com fome; apressamo-nos, erramos em vão de um lado para o outro, por toda parte só encontramos bosques, pedreiras, planícies, nenhuma informação para reconhecimento. Muito acalorados, muito cansados, com muita fome, com nossas idas e vindas só conseguimos perder-nos mais. Finalmente sentamo-nos para descansar e para conversar. Emílio, que suponho educado como outra criança, não conversa, mas chora; não sabe que estamos à porta de Montmorency e que um simples matagal a esconde de nós; esse matagal, porém, é uma floresta para ele, um homem da sua altura enterra-se no mato.

Após alguns instantes de silêncio, digo-lhe com um ar inquieto: Meu caro Emílio, como faremos para sair daqui?

Emílio, muito suado e aos prantos.

Não sei. Estou cansado; estou com fome; estou com sede; não agüento mais.

Jean-Jacques

Achas que estou em melhores condições do que tu? Achas que eu deixaria de chorar, se pudesse almoçar com minhas lágrimas? Não se trata de chorar, mas de saber onde estamos. Que horas são no teu relógio?

Emílio

É meio-dia, e ainda estou em jejum.

Jean-Jacques

É verdade, é meio-dia e ainda não comi nada.

Emílio

Ah, como deves estar com fome!

Jean-Jacques

O pior é que meu almoço não virá buscar-me aqui. É meio-dia, é justamente a hora em que ontem observamos de Montmorency a posição da floresta. Se pudéssemos da mesma forma observar da floresta a posição de Montmorency!...

Emílio

É, mas ontem estávamos vendo a floresta, e daqui não vemos a cidade.

Jean-Jacques

Esse é o problema... Se pudéssmos achar a sua posição sem precisar vê-la!...

Emílio

Ó meu bom amigo!

Jean-Jacques

Não dizíamos que a floresta estava...

Emílio

Ao norte de Montmorency.

Jean-Jacques

Por conseguinte, Montmorency deve estar...

Emílio

Ao sul da floresta.

Jean-Jacques

Há um meio de achar o norte ao meio-dia.

Emílio

Sim, pela direção da sombra.

Jean-Jacques

Mas e o sul?

Emílio

O que fazer?

Jean-Jacques

O sul é o oposto do norte.

Emílio

É verdade; basta procurar o oposto da sombra. Ah! P sul é ali! O sul é ali! Com certeza Montmorency fica deste lado; vamos procurar deste lado!

Jean-Jacques

Pode ser que tenhas razão; tomemos este caminho pelo bosque.

Emílio, batendo palma e dando gritos de alegria.

Estou vendo Montmorency! Ali bem à nossa frente, bem à vista! Vamos almoçar, vamos comer, rápido; a astronomia serve para alguma coisa.

Notais que, se ele não disser essa última frase, ele a pensará. Pouco importa, contanto que não seja eu quem a diga.

Ora, podeis ter certeza de que não esquecerá por toda a vida a lição desse dia, ao passo que, se eu só lhe tivesse feito supor tudo isso em seu quarto, meu discurso teria sido esquecido no dia seguinte. Devemos falar tanto quanto possível através das ações, e só dizer aquilo que não podemos fazer.

* Muitas vezes observei que, nos doutos ensinamentos que damos às crianças, pensamos menos em nos fazer ouvir por elas do que pelos adultos presentes. Tenho Certeza disso, pois observei em mim mesmo.

Trecho de “Emílio ou Da Educação” – de Jean-Jacques Rousseau

Um comentário:

fernanda disse...

maravilhoso texto eu não conhecia. O desinteresse e como o dos alunos mas a reposta para isso se torna bem diferente da que damos em sala de aula.