11 janeiro, 2011

Desespero que se ignora ou ignorância desesperada por ter um eu, um eu eterno

Estão bem longe de concordar com Sócrates em que a pior das infelicidades é estar no erro. O mais das vezes, neles os sentidos tem mais do que a intelectualidade. Ordinariamente, quando alguém se julga feliz e se envaidece por isso, ao passo que à luz da verdade é um infeliz, está a cem léguas de desejar que o tirem do seu erro. Ao contrário, zanga-se, considera como seu pior inimigo aquele que o tenta, e como um atentado e quase um crime esse modo de proceder e, como costuma dizer-se, de destruir a sua felicidade. Por quê? Porque é presa da sensualidade e duma alma plenamente corporal; porque sua vida conhece apenas as categorias dos sentidos, o agradável e o desagradável, e descuida do espírito, da verdade. Porque é demasiado sensual para ter a ousadia, a paciência de ser espírito. Apesar da sua vaidade e falsidade, os homens não tem comumente mais do que uma leve idéia, ou, melhor, não fazem a mais leve idéia de ser espírito, de ser esse absoluto que ao homem é dado ser.

Mais vaidosos e enfatuados, é verdade que o são... entre si. Imagine-se uma casa, cada um de cujos andares – adega no subsolo, térreo, primeiro andar – tivesse uma espécie diferente de moradores, e compare-se a vida com esta casa. Não se veria – tristeza ridícula! – que a maior parte da gente preferiria apesar de tudo a adega no subsolo!

Nós todos somos uma síntese com uma finalidade espiritual. Essa é a nossa estrutura. Todavia, quem não prefere habitar a adega, as categorias do sensual? Não só o homem prefere viver nelas, mas ama-as a tal ponto que se zanga quando lhe propõem o primeiro andar, o andar nobre, sempre vago e esperando-o – porque afinal toda a casa lhe pertence.


Sören Kierkegaard no livro "O Desespero Humano"

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