03 janeiro, 2011

"Ensinar é função exageradamente supervalorizada"

"Quero começar este capitulo com uma afirmação que pode parecer supreendente a uns e, talvez, ofensiva a outros. É simplesmente esta: ensinar, a meu ver, é função exageradamente supervalorizada.

Dito isto, corro ao dicionário para ver se realmente tem significado o que afirmei. Ensinar significa 'instruir'. Pessoalmente, não estou muito interessado em instruir o outro sobre o que deveria saber ou pensar. 'Comunicar conhecimento ou habilidade' – minha reação é: por que não ser mais eficiente, usando um livro ou uma aprendizagem programada? 'Fazer saber' – aqui, fico com o cabeço arrepiado; não tenho vontade de fazer ninguém saber coisa nenhuma. 'Mostrar, guiar, dirigir' – parece-me que se tem mostrado, guiado e dirigido a gente demais. Assim, chego à conclusão de que tem significado o que eu disse. Ensinar é, a meu ver, atividade relativamente sem importância e enormemente supervalorizada.

Mas há mais do que isso na minha atitude. Reajo negativamente ao ensino. Por quê? Porque, penso eu, ensinar suscita questões, todas elas falsas. Assim que focalizamos o ensino, surge a questão: ensinar o quê? Que é que, do nosso ponto de visdta superior. Uma outra pessoa precisa saber? Admiro-me de que, ainda hoje, nos justifiquemos com a presunção de que somos uns sábios, em relação ao futuro, ao passo que os jovens são uns tolos. Estamos realmente seguros a respeito do que eles deveriam saber? Aí, aparece o ridículo problema da extensão: que é que o curso abrangerá? Essa noção de extensão baseia-se na suposição de que o que é ensinado é aprendido; o que é apresentado é assimilado. Não sei de suposição tão obviamente errada. Para evidenciar sua falsidade, não é preciso pesquisar; basta conversar com uns poucos estudantes.

Mas eu me pergunto: 'terei tanto preconceito contra o ensino, ao ponto de não dscobrir situação em que ele valha a pena?' Imediatamente, penso nas minhas experiências na Austrália, não há muito tempo. Interessei-me principalmente pelos indignas australianos. Trata-se de um grupo que, por mais de 20.000 anos, tem vivido e sobrevivido num ambiente desolado, em que um homem moderno pareceria dentro de poucos dias. O segredo da sobrevivência dos aborígenes tem sido ensinar. Transmitiram-se aos jovens todos os detalhes de conhecimento sobre o modo de obter água, como seguir o rastro da caça, matar o canguru, encontrar o caminho através do deserto sem trilhas. Tal conhecimento é transmitido aos jovens como o meio de comportar-se e qualquer inovação é desaprovada. Claro que tal ensinamento lhes proporciona o modo de sobreviver, num meio hostil e relativamente imutável.

Agora estou mais perto do X do problema que me excita. Ensinar e transmitir conhecimento tem sentido num meio imutável. Eis porque essa tem sido uma função inquestionada durante séculos. Mas, se há uma verdade a respeito do homem moderno, é que ele vive num meio continuamente em mudança. Um coisa de que posso ter certeza é que a Física ensinada a um estudante de hoje estará superada dentro de uma década. O ensino da Psicologia estará certamente ultrapassado daqui a 20 anos. Os chamados “fatos da história” dependem, amplamente, da disposição e da índole atuais da cultura. A Química, a Biologia, a Genética, a Sociologia passam por um fluxo tal que uma sólida afirmação feita hoje estará quase certamente modificada ao tempo em que o estudante atinja o estágio dentro do qual possa usar o seu conhecimento.

Enfrentamos, a meu ver, situação inteiramente nova em matéria de educação, cujo objetivo, se quisermos sobreviver, é o de facilitar a mudança e a aprendizagem. O único homem que se educa é aquele que aprendeu como aprender; que aprendeu como se adaptar e mudar; que se capacitou de que nenhum conhecimento é seguro, que somente o processo de buscar conhecimento oferece uma base de segurança. Mutabilidade, dependência de um processo, antes que de um conhecimento estático, eis a única que tem certo sentido como objetivo da educação, no mundo moderno."

Texto extraído do capítulo "O relacionamento interpessoal na facilitação da aprendizagem" - Livro "Liberdade para aprender", Carl R. Rogers, publicado em 1969.

Nenhum comentário: