17 abril, 2011

A Sociedade do Vazio


“Como viver?” – “Por que viver?”

Gerações atrás receberam as respostas e de alguma forma deram conta da sua vida, mesmo que com narizes torcidos. O mundo parecia girar mais devagar, as informações e conhecimento também corriam com velocidade menor que a de agora. Ensinar, segundo as palavras de Carl Rogers, é tarefa “excessivamente supervalorizada”. Ensinar como viver ou agir é muito útil e proveitoso em um meio que se modifica pouco, onde a velocidade do meio é lenta, ao passo que em um meio veloz como o nosso as informações, as ciências e a natureza se modifica na velocidade do pensamento. Não seria mais proveitoso facilitar o aprendizado através do indivíduo, ao invés de dar o conhecimento que julgamos previamente ser útil? Quem tem fome de alimentos busca o sustento no supermercado. Quem tem fome de conhecimento espera que alguém venha ao seu encontro e entregue já mastigado.

Na escola ou na academia somos ensinados através de livros didáticos e teorias que mais parecem manuais de como proceder. Somos reduzidos a técnicos-não-humanos. Quer saber como amputar um braço? Ali está. Como atender um paciente “depressivo”? Diagnostique-o com o DSM (manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais), leia o manual de técnicas de entrevista e receite o antidepressivo. Para todo problema existe a solução ou a cura, sem precisarmos nos ater e a refletir. Ser um humano pressupõe pensamento, razão, reflexão, metacognição, mas incrivelmente o ser humano tenta seguir a teoria de Darwin na ordem inversa; “desevolução” da razão. Pergunte o que o indivíduo pensa sobre sua única aula de ética que teve na faculdade ou a disciplina de filosofia e bioética, se ele gostou ou achou útil. A maioria acha “um saco” e inútil. É a desvalorização dos valores humanos, é a coisificação da vida humana, é a técnica pronta contradizendo a frase clichê que poucos se dão conta e conseguem se adaptar de maneira satisfatória: O mundo está em constante mudança e as ciências avançam cada vez mais rápido. Será que as técnicas e suas respostas de agora servirão daqui a um mês, um ano, uma década? Creio ser mais construtivo ajudarmos o ser humano a encontrar as suas respostas através dele mesmo.

Tínhamos valores rígidos e formas de viver pré-estabelecidas: nasce, educa, vai para o colégio, arranja um par para a filha ou o filho, vai a faculdade estudar direito ou medicina, casa, tem filhos. Repete o mesmo ciclo que citei após os dois pontos. Tínhamos as respostas prontas, vindas da boca dos pais, dos professores, mas em um meio onde tudo era mais lento. Não acredito que aquele “método” era melhor, mas com certeza dava mais “resultados” do que os de agora. Um diálogo entre Viktor Frankl e um companheiro que expressava o seu desejo de “ir para o fio”, ou seja, cometer suicídio, repete-se diariamente.

- Não espero mais nada da vida. Ela não faz mais sentido.

- Talvez não seja tu que devas responder a essa vida; ao invés de esperar que ela responda por ti?

Há uma revolução copernicana nesse diálogo. Onde temos um meio que não tenta dar as respostas prontas, o indivíduo tende a ter contato com a responsabilidade de encontrar as suas respostas através de si. Somos famintos por aquilo que possa nos encher de alguma forma. Para isso recorro a conselhos, remédios, bulas, drogas, jogos e toda forma de relação que tenta deturpadamente preencher e dar significado a minha vida, a minha existência. Não temos mais as formas certas e preconcebidas dos pais, eles estão cada vez mais distantes, com menos tempo para nós. Hoje, quem são os nossos pais? É a televisão, internet, jornal e as mídias. Os professores se encontram onde nesse vácuo deixado pelos pais? Que valores são instigados nos indivíduo? Tu, caro leitor desse artigo, percebe que encontrou muito mais perguntas do que respostas? Creio que as pessoas que nos rodeiam devam ser assim. Indaguem, fustiguem e nos ajudem a encontrarmos as respostas, muitas vezes sem emitir uma única palavra.

Escolhemos representantes que trabalhem por nós, votamos neles, consumimos santinhos, mastigamos o horário eleitoral, os colocamos no mesmo saco e despejamos todo esse lixo existencial em uma urna eletrônica. A vida vazia e deturpada se alimenta de mentiras como porcos atrás de mais lixo. Nos alimentamos de restos e excrementos daqueles que nós escolhemos. A escolha, dádiva unicamente humana, reduzida a mentira. Um cidadão em sã consciência entrega os seus pertences a um bandido que não dispõe de meios que possa tirar a sua vida ou atacar a sua integridade física? Um povo que entrega não somente os seus bens (impostos), mas a sua saúde, segurança, educação e oportunidades de emprego nas mãos que sabidamente são de um bandido está louco? Encontre um sentido em entregar a administração da sua vida, da sua família e de toda a nação nas mãos daqueles que não tem o dever ético e moral coerentes com o seu papel. Um povo louco não faz justiça, destrói toda chance de exercer algum poder através da fala ou da escolha sobre a sua vida. Esse é somente um exemplo do vácuo social que nos encontramos, pois ainda temos um governo que incentiva esse povo a consumir cada vez mais e, ao mesmo tempo, tira desse povo cada vez mais tributos. As bolsas, carros, sapatos e televisores não tapam a “nhaca existencial” que vivemos por sermos frustrados de nós mesmos por não assumirmos a responsabilidade sobre o próprio, a própria vida. Queremos a igualdade social, mas essa igualdade é de renda, não de acesso a serviços qualificados em saúde, segurança, educação e infra-instrutura. Não desejamos os meios propícios para nos desenvolvermos de dentro para fora; desejamos a renda para sustentar o estômago e os nossos vícios.

Sartre, Nietzsche e outros autores viram e abordaram o vazio existencial de forma brilhantes, mas cometeram o erro simples de tomar o efeito pela causa. A vida não é carente de significado; o contrário: a vida tem sentido em si mesma, há um sentido, mas não é porque ainda não encontramos (ou negamos) que esse sentido não exista. Há muito mais fanfarronice etílica nesse copo vazio do que verdadeira crença no vácuo.

No Brasil, um país onde 75% das pessoas são analfabetos funcionais (lêem um texto, mas não encontram o significado), seremos capazes de encontrar um sentido na vida e/ou uma direção social? O texto da vida está sobre a mesa; a responsabilidade por encontrar um significado nele está em nós.


Quem tem por que viver suporta quase qualquer como

Friedrich Nietzsche

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