15 maio, 2011

Antimanicomial - Um Movimento?!


A história mostra os movimentos da relação entre loucos e sociedade. Eles já habitaram leprosários, prisões, ilhas, hospitais gerais e manicômios. Dividiram espaços com leprosos, tuberculosos, criminosos e toda sorte de portadores de alguma coisa que apontasse para o adoecimento. Mas a cronologia também aponta que esses loucos já foram sábios, gurus, intermediários entre os deuses e os mortais, bruxos e até mentores de muitas comunidades. Em determinados contextos, com a evolução do pensamento e da ciência, os loucos tiveram tratamento diferente no meio onde viviam; nem sempre tratados com respeito, muitas vezes superestimados em poderes, outras esquecidos – a sociedade, a ciência, o ethos (costumes de um povo) e a religião influenciaram no “diagnóstico” daqueles que eram ajustados ou desajustados, segundo parâmetros relativamente ou hipocritamente estabelecidos.

No final dos anos 1970 surgem os primeiros movimentos críticos da reforma psiquiátrica no Brasil, tentando fazer uma reformulação do pensamento com relação ao tratamento e eticidade com relação aos desajustados ou, se preferir, portadores de sofrimento psíquico. Essa forma de pensar foi muito influenciada pelo zeitgeist da década anterior, onde surgiram os hippies, artistas como os Beatles, Bob Dylan, as feministas e diversos grupos que defendiam o fim da guerra fria, os confrontos no Vietnã, a valorização dos direitos humanos. Mas é na Itália que criam a lei 180, em 1978, sob o avanço da psiquiatria democrática; um novo modelo de prática psiquiátrica que serviu de parâmetros para novas legislações e relações entre as instituições e os loucos.

Os seres vivos, especialmente os animais, tendem a viver em movimento; seria diferente com os animais que sofrem? Agora tomamos a ordem inversa ao modelo anterior – as instituições que serviam de habitação e tratamento, muitas vezes até o findar da vida do paciente, começam a ser substituídos por novas praticas. As almas doentes começam a ser vistas com direitos e detentores de possibilidades. O espaço físico se amplia, onde tentavam conter o corpo devido ao estigma da periculosidade, busca ajudar o paciente a ter maior liberdade e condições de lidar com essa liberdade, com seus direitos a serviços de saúde, atenção e reinclusão social. Segundo creio, os loucos nunca estiverem fora da sociedade, mas sua existência fora negada nessa sociedade; o que não é sinônimo que não estivessem inseridos. Os loucos, como tantos outros grupos com suas necessidades, hoje tem muitas dificuldades de acesso aos bens básicos como educação, saúde, segurança e principalmente auto-estima.

Além de conhecer a história do movimento antimanicomial, precisamos conhecer o que está sendo feito hoje, onde a loucura nasce e como devemos agir para evoluir. Evoluir, nesse caso, é poder ajudar o outro de forma ética e justa. A loucura surge na educação, na relação familiar, baseada em um ethos, na relação de pais-cuidadores que agem segundo seus valores morais e seus filhos. O dilema está entre os indivíduos e o vazio ético que vivem, levando para a sociedade esse vazio e trazendo para casa toneladas da podridão social. Nos relacionamos com negligência, desrespeito, ignorando que na nossa frente existe alguém e esse outro tem suas necessidades e direitos. É assim que surge a loucura, não de um lugar distante, mágico, em alguma Disneylândia, ou dentro dos manicômios e clínicas psiquiátricas, mas nos cômodos das residências civis, na cozinha, nos quartos e nas salas. Só procura atendimento médico quem está doente ou quer prevenir a doença.

Vivemos uma nova loucura, não a psíquica, neurológica, médica; a loucura moral, antecessora da loucura psíquica. Vivemos uma loucura noogênica, aquela loucura do vazio, do vácuo existencial.

Agora precisamos trabalhar para além dos residenciais terapêuticos, dos Serviços de Atenção Psicossocial, dos ambulatórios hospitalares e tratamentos psicofarmacêuticos; a loucura vem de casa, deve ser constata na escola, tratada desde cedo. Os pais, como os professores (humanos, tal como a criança) necessitam de cuidados. Ninguém está isolado na sociedade, por maior que seja a distância física e psíquica (como viviam nos manicômios), não estavam ali por acaso, existe uma causa proveniente da sociedade e a sua visão ética-política sobre a saúde e doença mental. É necessário abandonar o conceito rígido de “família estruturada” baseada em pai e mãe “saudáveis”. O senso comum, neste caso, não mente: em quase todos os grupos familiares temos relativos graus de loucura.

O desafio é desenvolver o pensamento moral na escola, que esse pensamento surja de dentro para fora, não em novas catequeses sob modelos políticos, ideológicos e/ou partidários. Colégios não sejam os novos manicômios, onde supostamente aprendem, mas que na realidade adoecem e reproduzem a doença das instituições do Estado. Essas crianças sejam cuidadas, suas famílias vistas, o vazio moral e existencial seja substituído pela liberdade de pensamento, responsabilidade sobre ser quem se é e sobre os seus presentes e futuros atos; não se tornem os antigos “alienados” mentais tampouco os novos viciados em alguma droga que diariamente surge.

Nesse 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial, convido os leitores a pensar, reformular e abrir as nossas portas manicomiais do Estado. Os loucos talvez não sejam os “alienados” mentais, “loucos de pedra”, e o esquizofrênico da novela; a loucura moral está votando no político que de antemão sabemos que lesou os que confiaram a ele seus direitos básicos; a loucura moral do professor que está mais interessado no conteúdo que exercitará somente a memória, não as atitudes da criança; a loucura moral está no extremo da negligência dos pais quanto ao cuidado ou no excesso de poder que exerce sobre seu futuro “bandido”, “viciado” e “louco”.

Tenhamos confiança que existe um sentido para viver, que esse por que viver se reflita no social ajudando para que talvez surjam novas formas de relação que não sejam loucas moralmente ou psiquicamente.

“Não é demonstração de saúde ser bem ajustado a uma
sociedade profundamente doente”

Jiddu Krishnamurti

Mais artigos, ensaios e outros escritos em: www.pelaalma.blogspot.com



Sugestões de leitura:

“História da Loucura” – Michel Foucault

“Em Busca de Sentido – Um psicólogo no campo de concentração” – Viktor Frankl

“Liberdade para Aprender” – Carl Rogers

“Emílio ou Da Educação” – Jean-Jacques Rousseau

Nenhum comentário: